quinta-feira, 28 de maio de 2009

As garantias de direitos sociais e o capitalismo
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Jorge Luiz Souto Maior
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Muito se tem dito sobre a crise econômica e suas possíveis repercussões na realidade social brasileira. À esta altura, uma abordagem crítica mais contundente é necessária por causa da constatação de que muitos se valem da crise como mero argumento para continuar jogando o jogo da vantagem a qualquer custo, desvinculando-se de qualquer projeto de sociedade mais democrática.
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Para iniciar essa análise, devemos lembrar que a crise é nossa velha conhecida. Ela esteve presente em quase todos os momentos de nossa história. Em termos de relações de trabalho, o argumento da “crise econômica”, como forma de justificar uma reiterada reivindicação de redução das garantias jurídicas de natureza social (direitos trabalhistas e previdenciários), acompanha o debate trabalhista desde sempre. Se alguém disser que “agora, no entanto, é pra valer”, deve assumir que antes era tudo uma grande mentira... E, se assim for dito, que força moral se terá para fazer acreditar no argumento da crise atual?
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Não se pode olvidar também que, mesmo quando o Brasil vivenciou, de 1964 a 1973, o que se convencionou chamar de “milagre brasileiro”, o crescimento econômico foi obtido às custas do empobrecimento da maioria da população, já que uma de suas características era a concentração de renda. Em 1970, os 50% mais pobres da população ficavam com apenas 13,1% da renda total e os mais ricos (1% da população) embolsavam 17,8%.
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No começo da presente crise pouco se falou na relevância da diminuição do valor do trabalho. A partir de outubro de 2008, iniciou-se um movimento organizado para requerer uma flexibilização das leis trabalhistas do país como forma de combater a crise financeira. Empresas começaram a anunciar dispensas coletivas de trabalhadores, criando um clima de pânico para, em seguida, pressionar sindicatos a cederem quanto às suas reivindicações e buscar junto ao governo a concessão de benefícios fiscais.
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Entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009, as vendas do varejo nacional acumularam alta de 8,7%. Essa corrida que passa por cima dos direitos trabalhistas é totalmente injustificável por, pelo menos, três motivos. Primeiro, porque o custo do trabalho não está na origem da crise econômica como atestam as últimas análises. Nada autoriza a dizer que a sua redução seja fator determinante para que a crise seja suplantada.
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Segundo, porque já se pode verificar o quanto se apresentou precipitada e oportunista tal atitude. Em fevereiro de 2009, um aumento do nível de emprego formal foi registrado sobretudo nos setores de serviços, construção civil, agricultura e administração pública. A própria Companhia Vale do Rio Doce iniciou esse movimento irresponsável, quando anunciou dispensas coletivas de trabalhadores. No entanto, no quarto trimestre de 2008 obteve um lucro líquido de R$10,449 bilhões, que representa um aumento de 136,8% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando o lucro líquido foi de R$ 4,411 bilhões. A Bovespa, em março, acusou alta de 11%. Em maio, já apresenta alta acumulada de 36,87%, desde o início de 2009. A venda de automóveis, em razão da redução do IPI, sofreu um aumento de 11%. As vendas do comércio varejista subiram 1,4% em janeiro com relação a dezembro do ano passado, segundo noticiou o IBGE.
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Entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009, as vendas do varejo nacional acumularam alta de 8,7%. A Embraer dispensou 4,2 mil empregados. Ela é investigada pelo Ministério do Trabalho, acusada de ter fornecido bônus de R$50 milhões a 12 diretores e ter efetuado a contratação de 200 empregados terceirizados. Os fatos são negados pela empresa. O incontestável é que ela encerrou o primeiro trimestre de 2009 com lucro líquido de R$ 38,3 milhões e receita líquida de R$ 2,667 bilhões.
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Em terceiro lugar, mesmo que a crise fosse o que se apresentava, é grave a ausência de uma compreensão histórica revelada pelo desprezo aos direitos trabalhistas. Ora, os argumentos de dificuldade econômica das empresas foram uma constante no período de formação da Revolução Industrial e se reproduziram por mais de cem anos até que, em 1914, sem qualquer possibilidade concreta de elaboração de um novo arranjo social, o mundo capitalista entrou em colapso.
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À época, eram feitas alegações de que as empresas seriam obrigadas a fechar se fossem obrigadas a dar aumento de salário ou estabelecer melhores condições aos trabalhadores e de que seria melhor um trabalho qualquer a nenhum. Dizia-se ainda que seria preciso primeiro propiciar o sucesso econômico das empresas de forma sólida para somente depois pensar em uma possível e progressiva distribuição da riqueza produzida e que a livre iniciativa não poderia ser obstada pela interferência do Estado. Acreditava-se também que era mais saudável para as crianças de cinco a dez anos se dedicarem à disciplina do trabalho durante oito ou mais horas por dia do que ficarem nas ruas desocupadas.
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Leia o artigo na integra aqui:
http://diplo.uol.com.br/2009-05,a2844
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