quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Do socialismo utópico ao científico (parte II)
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Friedrich Engels
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Mais tarde vieram os três grandes utopistas: Saint-Simon, em que a tendência continua ainda a se afirmar, até certo ponto, junto à tendência proletária; Fourier e Owen, este último, em um país onde a produção capitalista estava mais desenvolvida e sob a impressão engendrada por ela, expondo em forma sistemática uma série de medidas orientadas rio sentido de abolir as diferenças de classe, em relação direta com o materialismo francês.
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Traço comum aos três é que não atuavam como representantes dos interesses do proletariado, que surgira como um produto histórico. Da mesma maneira que os enciclopedistas, não se propõem emancipar primeiramente uma classe determinada, mas, toda a humanidade. E assim como eles, pretendem instaurar o império da razão e da justiça eterna. Mas entre o seu império e o dos enciclopedistas medeia um abismo.
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Também o mundo burguês, instaurado segundo os princípios dos enciclopedistas, é injusto e irracional e merece, portanto, ser jogado entre os trastes inservíveis, tanto quanto o feudalismo e as formas sociais que o antecederam. Se até agora a verdadeira razão e a verdadeira justiça não governaram o mundo é simplesmente porque ninguém soube penetrar devidamente nelas. Faltava o homem genial, que agora se ergue ante a humanidade com a verdade, por fim descoberta.
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O fato de que esse homem tenha aparecido agora, e não antes, o fato de que a verdade tenha sido por fim descoberta agora, e não antes, não é, segundo eles, um acontecimento inevitável, imposto pela concatenação do desenvolvimento histórico, e sim porque o simples acaso assim o quis. Poderia ter aparecido quinhentos anos antes, poupando assim à humanidade quinhentos anos de erros, lutas e sofrimentos.
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Vimos como os filósofos franceses do século XVIII, que abriram o caminho à revolução, apelavam para a razão como o juiz único de tudo o que existe. Pretendia-se instaurar um Estado racional, uma sociedade ajustada à razão, e tudo quanto contradissesse a razão eterna deveria ser rechaçado sem nenhuma piedade. Vimos também que, em realidade, essa razão não era mais que o senso comum do homem idealizado da classe média que, precisamente então, se convertia em burguês. Por isso, quando a Revolução Francesa empreendeu a construção dessa sociedade e desse Estado da razão, redundou que as novas instituições, por mais racionais que fossem em comparação com as antigas, distavam bastante da razão absoluta.
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O Estado da razão falira completamente. O contrato social de Rousseau tomara corpo na época do terror, e a burguesia, perdida a fé em sua própria habilidade política, refugiou-se, primeiro na corrupção do Diretório e, por último, sob a égide do despotismo napoleônico. A prometida paz eterna convertera-se numa interminável guerra de conquistas. Tampouco teve melhor sorte a sociedade da razão. O antagonismo entre pobres e ricos, longe de dissolver-se no bem-estar geral, aguçara-se com o desaparecimento dos privilégios das corporações e outros, que estendiam uma ponte sobre ele, e os estabelecimentos eclesiásticos de beneficência, que o atenuavam.
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A “liberação da propriedade" dos entraves feudais, que agora se convertia em realidade, vinha a ser para o pequeno burguês e o pequeno camponês a liberdade de vender a esses mesmos poderosos senhores sua pequena propriedade, esgotada pela esmagadora concorrência do grande capital e da grande propriedade latifundiária; com o que se transformava na "liberação" do pequeno burguês e do pequeno camponês de toda propriedade. O ascenso da indústria sobre bases capitalistas converteu a pobreza e a miséria das massas trabalhadoras em condição de vida da sociedade. O pagamento à vista transformava-se, cada vez mais, segundo a expressão de Carlyle, no único elo que unia a sociedade. A estatística criminal crescia de ano para ano.
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(continua...)

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