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segunda-feira, 11 de julho de 2011

A reinvenção da política


Rodrigo Savazoni
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Das manifestações no Irã pela liberdade de expressão, via Twitter, aos recentes episódios de mobilização cidadã na Espanha, país onde, desde o dia 15 de maio, milhares de pessoas tomaram as ruas para exigir democracia, são cada vez mais explícitos e frequentes os exemplos de que as tecnologias libertárias, apropriadas pelas pessoas e pelas redes, transformam a forma de se fazer política. No Brasil, uma nova geração de ativistas conectados à Internet está criando os movimentos sociais do século XXI. Por meio de ações de construção democrática e métodos em geral provocativos, esses agrupamentos contemporâneos começam a confrontar as forças estabelecidas. Aqui, no entanto, a conjuntura difere da do Oriente Médio ou da Europa, onde a falta de democracia e a crise econômica estimulam a insatisfação popular. O Brasil atravessa o melhor momento de sua história, com estabilidade democrática, crença nas instituições e uma inédita inclusão econômica. O que há, então, em comum entre os movimentos brasileiros e o de seus pares internacionais? O que querem, afinal, esses novos agrupamentos sociais?
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Não são perguntas fáceis. A primeira característica comum desse movimento de caráter internacional é o fato de serem articulações cuja origem não está nas estruturas partidárias, sindicais ou mesmo nos movimentos sociais surgidos nas três décadas anteriores. São, acima de tudo, forças articuladas em rede, com forte influência do uso das novas tecnologias de informação e comunicação. Há de se considerar também que são grupos que não se prendem a filiações ideológicas rígidas. Sua marca é a ação. Pode-se tentar compreendê-los buscando referências na esquerda libertária, mas boa parte de seus participantes também não se furta a buscar métodos e símbolos na cultura corporativa. Há uma forte conexão com o altermundismo, o movimento por uma outra globalização que se espraiou no final dos anos 1990 e no início da primeira década do século XXI, mas somente essa filiação não explica o que está ocorrendo.
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Se aproximarmos nossa lupa, veremos que é útil buscar respostas na cultura digital, que, conforme nos explica o professor André Lemos, da Universidade Federal da Bahia, é a cultura que se forja a partir do surgimento da internet e da popularização da microinformática, processos iniciados no final dos anos de 1970. Essa cultura, baseada na recombinação e na colaboração, foi se alastrando pelo planeta e produziu um curto-circuito em todas as esferas: comportamento, economia, artes, mídia e, evidentemente, política. A percepção dessas transformações, com a massificação das tecnologias, só faz crescer. Conforme explica o professor Javier Bustamante Donas, em artigo para o livro Cidadania e Redes Digitais, organizado pelo sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, essas tecnologias não são apenas “uma ferramenta de descrição da realidade, mas de construção da mesma”. Técnica e política, portanto, não podem ser observadas em separado.
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Interessante notar que o objetivo desse movimento “tecnológico” é a radicalização da política e da democracia, que vêm sendo paulatinamente aprisionadas pelos interesses econômicos e pelas posturas corporativas da classe política tradicional. Não à toa, surge nesse contexto a questão da transparência, em suas múltiplas acepções. No Brasil, um dos mais interessantes e combativos movimentos contemporâneos é a comunidade Transparência Hacker. Iniciado há quase dois anos, o grupo ganhou notoriedade quando, utilizando-se de uma prerrogativa aberta pela presidência da República do Brasil, clonou o blog do Planalto, que fora lançado sem permitir aos usuários interagirem com o conteúdo. Para evidenciar que o diálogo é a essência da rede, os ativistas hackers criaram uma página semelhante à oficial, a qual reproduzia integralmente os conteúdos originais, com o diferencial de permitir comentários sem qualquer moderação. Ganharam o mundo.
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“Eu gosto de pensar que somos ativistas do direito de fazer. É bizarro perceber a quantidade de impossibilidades a que grupos e indivíduos são submetidos quando querem provocar mudanças”, afirma Daniela Silva, da Esfera e da Casa da Cultura Digital, uma das criadoras da comunidade Transparência Hacker (#THacker). A comunidade na qual atua conta com apoio do escritório brasileiro do W3C, a instituição criada por Tim Berners Lee para manter a web aberta e livre, e já tem em sua lista de discussão mais de 500 membros, entre ativistas, jornalistas, programadores e gestores públicos. Daniela destaca que não existem regras prévias de participação, mas sugere que a “colaboração, liberdade, autonomia, ética hacker, abertura para formas novas de agir e de pensar sobre o mundo, valores políticos emergentes e mutáveis (ou mutantes) e um certo gostinho pela provocação” são as principais características do movimento.
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A jornalista e ativista recorda que foi justamente quando clonaram o Blog do Planalto que ela e seu grupo puderam sentir a força das redes. Aquilo que começou como uma pequena provocação ganhou notoriedade por evidenciar um jeito de agir que rompia com o tradicional. “Tinha gente da esquerda nos odiando de um lado, e gente da direita odiando mais do outro. Conservadores tarimbados acharam uma graça absurda daquele ato desmedido de liberdade. Libertários ferrenhos pediam nossa cabeça no Trezentos (blog que reúne uma ampla comunidade de defensores do compartilhamento do conhecimento). Uma grande quantidade de pessoas admiráveis achou o máximo”, relembra. Ela pontua que essa ação só foi possível porque o governo Lula adotara o Creative Commons como licença de conteúdo, numa iniciativa pioneira mundialmente. Foi, portanto, o próprio Planalto, a sede do governo brasileiro, que providenciou os meios técnicos para a provocação.
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Software Livre, Cultura Livre
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Voltando à investigação sobre a essência dos movimentos da cultura digital, é preciso recuperar o conceito de software livre, pois é por meio dessa articulação pioneira que o espírito de nossa época começa a se delinear. No início dos anos 1980, um grupo de engenheiros liderados por Richard Stallman criou a Free Software Foundation (FSF), organização com o objetivo de defender a colaboração e o compartilhamento quando os softwares começavam a se tornar instrumentos de enorme ganho financeiro. Para maximizar seus vencimentos, as empresas de tecnologia começaram a adotar patentes e mecanismos de proteção de propriedade intelectual, contrariando assim a essência do desenvolvimento científico, que é baseado na evolução a partir do conhecimento acumulado. Para “amarrar” a liberdade de compartilhar ao modelo de licenciamento, a FSF criou um modelo alternativo (a licença GPL), que passou a ser utilizada pelos desenvolvedores no mundo todo. Essa ação, aparentemente técnica, embutia um confronto político que cresceria desde então: o da luta contra a propriedade na era do conhecimento.
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Essa visão de superação da propriedade privada é comum a todo movimento de cultura digital, e foi estabelecida como diretriz pelos ativistas que, em 2003, participaram da elaboração dos Pontos de Cultura. Convidados a trocarem informações com o poder público, esses agentes propuseram construir em conjunto com os criadores populares noções de compartilhamento do conhecimento e uso do software livre. Essa história vem sendo recorrentemente contada, justamente por ser um caso de sucesso. Pouca gente sabe, no entanto, que na base desse movimento havia uma rede organizada, em processo de construção, que até hoje se constitui como um repositório de ideias inovadoras. Trata-se da rede Metareciclagem.
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“A metareciclagem é mais um foco de potência de ação política – porque as pessoas trocam entre si – do que uma instância política autônoma, que tenha uma coerência”, explica o ativista Felipe Fonseca, um dos remanescentes daquele grupo que formulou o kit multimídia dos Pontos de Cultura e que lançou recentemente o livro Laboratórios do Pós-Digital, disponível para download. “É um espaço de diálogo entre diferentes formas de ambientação política. Isso configura uma forma de ação política em si, mas é muito difícil de tratar dentro da experiência da política tradicional”. Ativa há oito anos, a rede segue produzindo inspiração e articulação. O ponto de contato é estabelecido por meio de uma lista de discussão e da plataforma da comunidade, cujo endereço é www.metareciclagem.org
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FONTE: http://www.revistaforum.com.br
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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Da miséria ideológica à crise do capital

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Ricardo Lara (*)
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O livro da cientista social Maria Orlanda Pinassi emerge, em tempos de ilusões pós-modernas, na oposição da apologética acadêmica niilista. A teoria social articulada em seus ensaios alimenta-se na tradição ontológica materialista e dialética que se agarra a práxis revolucionária. Aliada ao conceito de decadência ideológica – “um dos mais férteis instrumentos da ciência marxiana da história” (PINASSI, 2009, p. 16) –, a autora oferece contundente arsenal de críticas as ideologias irracionais que se instauraram no pensamento social após a consolidação da hegemonia burguesa.
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O conceito de decadência ideológica, elaborado por Georg Lukács (1885–1971) designa a crise espiritual da burguesia após 1848. Para Lukács o que temos, com a evolução do pensamento social burguês, é a: "liquidação de todas as tentativas anteriormente realizadas pelos mais notáveis ideólogos burgueses, no sentido de compreender as verdadeiras forças motrizes da sociedade, sem temor das contradições que pudessem ser esclarecidas; essa fuga numa pseudo-história construída a bel prazer, interpretada superficialmente, deformada em sentido subjetivista e místico, é a tendência geral da decadência ideológica."
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Pinassi reflete sobre a incidência do conceito de decadência ideológica na atualidade, principalmente diante das ideologias que pregam o “fim da história”, o “fim da ideologia”, o “fim do trabalho”. O pensamento burguês contemporâneo, na maioria dos casos, apresenta tendências que não se preocupam em construir conhecimentos que levam em consideração a materialidade social. O pensamento social faz das ciências sociais e humanas um mecanismo irracional que nega o desenvolvimento sócio-histórico e evita produzir conhecimentos que têm como pressuposto o mundo da atividade concreta e sensível do homem.
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Nos tempos presentes a irracionalidade burguesa avança a passos vastos, as concepções científicas de todas as áreas do saber mostram-se capacitadas para responder as ânsias de um modo de vida que sobrevive entre a plena realização da coisa (fetiche do capital) e a barbárie social. As possíveis respostas para os fenômenos sociais e naturais que afligem a humanidade estão presentes em todas as ciências, mas os abismos entre a realidade social e suas percepções científicas geram concepções caóticas. Os “paradigmas” científicos explicam o homem tentando buscar sua essência, mas não compreendem que a essência humana deve ser encontrada no conjunto das relações sociais, pois “a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais.”
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A decadência ideológica desvenda o “racionalismo burguês”, justificador do desenvolvimento capitalista do final da segunda metade do século XIX, que se ancora no período imperialista, e concretiza-se nas crises cíclicas do século XX. Nessa processualidade social surgem os causídicos do sistema, com suas teorizações do “pleno emprego”, do “estado de bem estar social”, sustentadores da inconsciência burguesa. Pinassi expõe o poder da ideologia, revestida de apologética, que oferece sustentação para a acumulação capitalista. O conceito de decadência ideológica revela a crítica da totalidade social, revela a conexão entre força material e construção ideológica do sistema do capital, oferece a possibilidade da crítica, genuína e fecunda, que resgata a perspectiva ontológica.
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Os ensaios que compõem o livro depositam confiança na alternativa socialista como a única opção para a sobrevivência da humanidade. Aborda questões fundamentais da transição socialista. Desmistifica a irracionalidade burguesa e abre o caminho para a teorização da revolução socialista, pois a história da humanidade não é algo dado e acabado como ampara o pensamento burguês apologético. A luta de classes e a constituição da classe revolucionária é o principal tema perquirido ao longo das páginas. Os textos abordam as principais polêmicas do projeto verdadeiramente socialista, Pinassi não teme em deixar evidente sua postura radical contra as ilusões irracionais acadêmicas pós-modernas.
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Para isso ela inquieta-se com a universalização do capital e suas absurdas e cruéis formas de irracionalismo. Para levar a êxito tal posicionamento, nota-se, no livro, a atenta interlocução com as obras de Marx, Lukács e Mészáros, ganhando evidência a percepção audaz de extrair os debates nodais da crítica ontológica expirada na ciência da história marxiana. As interlocuções com os clássicos do pensamento marxiano rejuvenesce as críticas impenitentes ao capitalismo. Sem rodeios apologéticos, a autora vai a questão essencial: só é possível liberdade e democracia numa sociedade para além do irracionalismo burguês, da propriedade privada e da alienação. O principal fundamento da crítica marxiana foi a descoberta de quê a produção e reprodução da vida social burguesa se estabelece pela dialética da propriedade privada e do trabalho estranhado.
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A autora, ao abordar as temáticas polêmicas, questiona o medo dos homens contemporâneos, o temor que vem transvestido de mais alienação. A teoria social tem medo de questionar a realidade e colocar em xeque o metabolismo social do capital. Perante isso, evidencia-se a generosa crítica aos anticapitalistas românticos que não questionam a exploração da mais-valia e a propriedade privada, e aos que levantam a bandeira visionária dos “direitos das minorias”. A racionalidade pseudo-crítica não questiona as raízes das contradições da sociedade burguesa, ignora a luta de classes e não resgata a crítica a barbárie social imposta pela ordem do capital. Depois de ler o livro, percebemos o quanto e o porquê as ciências sociais e humanas estão tão distantes da realidade social.
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Enfim, na contemporaneidade, muito se escreve e muito se lê sobre a sociedade humana e suas relações sociais submetidas à lógica do capital, mesmo aqueles que se pautam na crítica da sociabilidade burguesa acabam, em alguns casos, reproduzindo estilos acadêmicos oriundos da decadência ideológica. Pinassi diverge da maioria da intelectualidade atual, afronta o “tema” da emancipação humana como prioridade no debate das ciências sociais e humanas. O destemido livro representa a imprescindível crítica radical às ideologias apologéticas e, por conseguinte, irracionais. A leitura é uma interlocução, segura, com Marx, Lukács e Mészáros, na melhor maneira da aspiração ontológica, as análises são sobre determinadas condições de existência reais, históricas e transitórias, as críticas teóricas são sobre as relações de produção e reprodução da vida humana sob as contradições inconciliáveis do sistema do capital.
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(*) Professor adjunto do curso de Serviço Social da UFSC.
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FONTE: Lista JSB Unificada
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quinta-feira, 23 de junho de 2011

A democracia em construção após 88

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Delze dos Santos Laureano (*)
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Considerando a democracia como processo político em permanente construção e os direitos de cidadania assegurados no texto da Constituição Brasileira, entendemos que são significativos os avanços democráticos conquistados após 1988. Tomando como parâmetro o artigo terceiro do texto, que enumerou os objetivos da República, vemos que o processo democrático deve primar pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a marginalização e buscando reduzir as desigualdades sociais e regionais para alcançar o bem de todos(as), sem quaisquer tipos de preconceitos ou formas de discriminação em nosso País.
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Obviamente, numa sociedade fundada em princípios democráticos, esses objetivos republicanos somente ocorrerão com o respeito às liberdades fundamentais e primando-se pela igualdade de oportunidades para todos(as). Por tudo isso, temos ainda muito a fazer, mas já caminhamos bastante.
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Política estável
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Podemos destacar como avanço democrático a estabilidade política. Estamos vivendo o mais longo período de estabilidade democrática no Brasil. O único momento anterior, bastante breve, teve início após a Segunda Grande Guerra, com a deposição do Presidente Vargas, em 1945. E foi interrompido com a instauração do regime autoritário de 1964 (ditadura militar).
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Após 1988, o exercício do poder político e o funcionamento das instituições foram mantidos, apesar dos diversos momentos de turbulência, como no impeachment de Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito de forma direta após 1964. Entendemos que essa estabilidade política resultou da maior participação popular na política e do maior acesso à informação, inclusive com a divulgação das ilegalidades praticadas pelos governantes, o que ajudou na formação da opinião pública no Brasil.
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Democracia, um processo
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Os avanços ocorridos após 1988 contribuíram para a garantia de novos direitos. Destacamos a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto do Idoso e a obrigatoriedade de prévio estudo de impactos ambientais para as obras e atividades potencialmente causadoras de degradação ao meio ambiente. Avançamos muito nas políticas de igualdade racial e de fortalecimento da cultura popular, amparadas em artigos da Constituição, bem como na obrigatoriedade da titulação das terras quilombolas. Na mesma esteira, a proteção legal dos territórios indígenas, criando para o Estado o dever de demarcar as terras originais, garantindo nesse processo a preservação da cultura e os recursos naturais necessários à vida das comunidades.
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Resultado de expressiva organização popular, a luta pela Reforma Agrária mereceu a inscrição em título próprio no texto e o princípio da função social da propriedade foi elevado a princípio norteador de outros princípios fundamentais. Tudo isso fortaleceu e deu nova significação aos movimentos sociais que lutam pela terra. Outro aspecto relevante a ser considerado foi a garantia de importantes espaços para a participação popular nas políticas que afetam diretamente a vida nacional. Referente a isso vale destacar a participação nas políticas de seguridade social, saúde, educação, proteção à família, à criança e ao adolescente, somente para citar alguns.
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Muitos poderiam afirmar, contudo, que não vivemos efetivamente um regime democrático, em vista do poder político ainda estar distante do que sempre idealizamos como justo. Realmente, não podemos comemorar a Reforma Agrária; diversas são as comunidades quilombolas e indígenas que esperam há anos a legalização de suas terras; o exercício do poder político ainda fica muito restrito às elites; a democracia representativa segue fragilizada pelo sistema eleitoral e a democracia participativa não se fortalece no tempo que gostaríamos. Entretanto, compreendendo a democracia como processo, temos de apostar na política como o melhor meio para serem criadas as condições adequadas de vida para toda a sociedade e num futuro que depende muito de nós.
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(*) Advogada da Rede Nacional de Advogados Populares, professora da Escola Superior Dom Helder Câmara e procuradora do Município de Belo Horizonte - MG.
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FONTE: Revista Mundo Jovem, ano 48, n° 412.
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sábado, 21 de maio de 2011

Religião e Política no Brasil

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Renato Janine Ribeiro (*)
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Um dos primeiros atos do regime republicano no Brasil foi separar a Igreja do Estado. No Império, os padres eram funcionários públicos, as religiões diferentes da católica podiam ser praticadas, mas "sem forma externa de culto" e, finalmente, bispos eram nomeados e encíclicas eram seguidas somente se o imperador lhes desse seu acordo. Desde a República, nenhuma Igreja pode ser oficial, ao mesmo tempo em que se garante ilimitada liberdade de culto a todas.
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Isso não foi tão fácil de realizar. Os católicos contaram com muito apoio oficial. Quando eu era criança, as aulas de Religião - na escola pública - eram praticamente só da igreja católica. Ela orientava as pessoas sobre os filmes aos quais podiam assistir e até recomendava o voto dos eleitores, apesar de nunca ter atingido a influência de sua congênere italiana - talvez porque a "ameaça comunista" (sic), aqui, nunca tenha sido grande. Alguns padres recomendavam que os fiéis destruíssem bíblias protestantes, caso as tivessem, e não lessem Monteiro Lobato. Nos últimos 50 anos, porém, enquanto aumentava o número dos católicos não praticantes, crescia tremendamente o de cristãos evangélicos, de adeptos de outras religiões e de agnósticos ou ateus. E a igreja católica mudou muito.
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Quer dizer que se separou a Igreja do Estado, a Religião da política? Não. Quando, na campanha presidencial, a questão do aborto entrou em cena, seus principais porta-vozes foram líderes religiosos. Um assunto que deve ser debatido com calma e tranquilidade foi atirado às paixões e preconceitos. Os candidatos tiveram que dar-lhe uma importância excessiva. Com isso, perdeu o espírito republicano, que exige a discussão dos assuntos com vistas ao bem comum e não a princípios de uma Religião, seja ela qual for. Mas isso significa que as pessoas não devam se manifestar de acordo com sua fé religiosa? Não. É direito de cada um escolher sua Religião - ou sua falta de Religião - e agir em consequência. A única ressalva é que ninguém viole a lei. E também, insisto: que a escolha seja da pessoa, em vez de lhe ser imposta.
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Religiões têm muito a ver com moral. Elas incluem dogmas, liturgia, mas também normas de ação. Portanto, é normal que as religiões recomendem ou até ordenem determinadas condutas. Por exemplo, algumas proíbem por completo o aborto, outras o aceitam nos casos em que a lei brasileira o permite (estupro, incesto) e outras, ainda, o admitem com a única limitação de não passar de alguns meses de gestação. É justo que os fiéis levem em conta sua fé religiosa ao moverem-se em assuntos delicados.
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Também sucede de Igrejas recomendarem que não se vote em corruptos, que se lute contra a injustiça social e por aí vai. Se aceitamos que elas se exprimam sobre um destes assuntos, devemos admitir que também falem a respeito de outros. Mas, aqui, há dois pontos importantes a assinalar. Primeiro: mesmo que padres e pastores chamem seus fiéis de "rebanho", as pessoas estão cada vez menos dispostas a serem ovelhas, a serem rebanho, a serem conduzidas por ordens de qualquer tipo. Fomos nos tornando meio kantianos, isto é, tudo o que é ordenado tem de ser justificado e, cada vez mais, ser examinado por nossa razão. Ninguém mais vai queimar Monteiro Lobato - assim espero! É verdade que essa exigência de autonomia, de cada um decidir sua vida, infelizmente não está presente em todos - uma parte da população segue o chefe de maneira quase maquinal - mas ela cresce constantemente.
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Portanto, ao líder religioso cabe orientar, sugerir, não mandar. E as pessoas devem considerar seus ensinamentos à luz de muitos outros, até mesmo das experiências que tenham na vida. Consta que a maior parte dos abortos proibidos no Brasil é realizada por católicas casadas; isso deve ser difícil para elas, que se vêem divididas entre a ordem da Igreja e sua vivência pessoal. Mas não se foge disso negando-se a experiência vivida, culpando-se, martirizando-se. A saída é pensar muito, com a razão e também com o coração, até se chegar a uma decisão realmente autônoma, que concilie na medida do possível a fé e a independência de cada um. A consciência não é feita apenas de Religião. Ela é antes de qualquer coisa autonomia: capacidade de decidir, só, os caminhos a trilhar.
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O segundo ponto é que - mesmo sendo movidos pela moral e mesmo tendo ela, para muitos, um componente religioso - na vida social e pública lidamos com pessoas de outras religiões e até mesmo de outros valores. É claro que não se trata de cair num relativismo moral completo. Acredito que todas as pessoas decentes condenem o assassinato, o estupro, a violência ilegítima. Mas, em sociedade, nem sempre os acordos a que chegamos sobre o que fazer estão baseados nos mesmos princípios.
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Com frequência, concordamos sobre ações práticas ainda que os princípios de uns e de outros sejam diferentes. É só assim que a sociedade democrática pode funcionar: pessoas com crenças religiosas e convicções políticas diferentes, todas elas legítimas, mas que concordam sobre um mínimo de regras que valham para todos. Por isso, os líderes religiosos não devem dar ordens a seus fiéis. Podem orientá- los. Podem dizer que levem em conta a justiça social, a moral dos candidatos, até mesmo sua posição sobre o aborto. Tudo isso é legítimo. Mas não devem ordenar que sigam uma de suas orientações como sendo a única. O mundo é complexo demais para ser medido com apenas um metro. As pessoas também são complexas, por isso suas vidas e opiniões não podem se reduzir a uma regra apenas.
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(*) Professor de Ética e Filosofia Política da USP.
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FONTE: Centro de Estudos Politicos Econômicos e Culturais
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A democracia cultural

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Emir Sader
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O modelo econômico social com as adequações que já começaram a ser colocadas em prática – deverá continuar a ser a referência fundamental para o governo brasileiro. Questões fundamentais passarão a ser vinculadas aos valores que devem predominar em uma sociedade que tem se transformado aceleradamente durante a primeira década do século XXI.
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Uma expressão da importância dessa esfera foi dada pela campanha eleitoral, em que a comparação entre os governos FHC e Lula era avassaladoramente favorável a este, o que levou a oposição a buscar um atalho de deslocamento para explorar preconceitos no plano dos valores de setores da classe média, mas também se setores populares. Daí a diferença entre o índice de popularidade do governo Lula e a votação que a Dilma conseguiu em 2010.
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Os valores predominantes na sociedade brasileira, produto das transformações que o neoliberalismo impôs, foram provenientes do “modo de vida norteamericano”, assentado na competição individual no mercado de todos contra todos. Uma visão segunda a qual “tudo tem preço”, “tudo se vende, tudo se compra”, tudo é mercadoria. Uma visão que incentiva o consumidor em detrimento do cidadão, o mercado às custas dos direitos , a esfera mercantil contra a esfera pública.
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Os avanços econômicos e sociais geram a base para que os valores predominantes na sociedade brasileira possam mudar nos seus fundamentos. O apoio do povo brasileiro ao governo Lula é resultado do papel essencial que o governo passou a dar aos direitos de todos, independentemente do nível de renda, governando para todos e não apenas para aqueles que têm poder de renda, aqueles que conseguem ter acesso ao consumo por meio do mercado.
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Os valores implícitos no modelo econômico e social adotados no Brasil atual são os da preponderância do direito sobre a competição, são os direitos de tod@s e não apenas dos que possuem poder de renda adquirida no mercado. São os dos direitos para tod@s, do governo para tod@s, da cidadania estendida a tod@s. O da reestruturação do Estado em torno dos interesses públicos e sua desmercantilização, sua desfinanceirização.
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Os valores que deveriam nortear os novos contornos da sociedade brasileira, de uma sociedade mais justa, deveriam ser os de solidariedade, justiça social, desenvolvimento econômico e social, soberania política, cidadania, direitos para todos. O neoliberalismo buscou mercantilizar tudo, concentrando aceleradamente as riquezas, atentando gravemente contra a democracia, contra o acesso aos direitos para todos.
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A construção dos valores de uma nova solidariedade é decisiva para consolidar os avanços econômicos e sociais dos últimos anos, porque é no plano da consciência, dos valores, das ideias, dos costumes e hábitos que regem as vidas das pessoas, que se constroem as formas de sociabilidade. Desmercantilizar é democratizar, é superar o filtro do mercado, que seleciona os que têm poder de acesso a bens, para estender esse direito a todos. É privilegiar a esfera dos direitos em oposição à esfera mercantil.
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Na esfera mercantil triunfa quem tem maior poder aquisitivo, uma esfera centrada no consumidor. Na esfera pública tod@s têm direitos, uma esfera centrada no cidadão. Portanto, essa é a grande transformação que o Brasil precisa viver nos próximos anos, para se tornar uma democracia não apenas nos planos econômico e social, mas também no plano cultural.
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FONTE: http://www.cartamaior.com.br
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quarta-feira, 23 de março de 2011

Reforma política: voto facultativo

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Marcos Coimbra (*)
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Na pauta da comissão Especial do Senado que trata da reforma política, uma das propostas é adotar o voto facultativo. Depois de quase 80 anos de voto compulsório, estabelecido pelo Código Eleitoral de 1932, a mudança ganha adeptos. Apesar disso, ao que parece, o tema ainda divide os senadores, assim como faz com a sociedade. Dos vários pontos que estão sendo discutidos no parlamento, nenhum é tão polêmico.
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As pesquisas feitas nos últimos anos mostram que há maiorias claras em favor de algumas ideias (como a fidelidade partidária e a reeleição) e contrárias a outras (como o financiamento público de campanhas e o voto em lista fechada). No tocante à obrigatoriedade do voto, contudo, a proporção dos que querem mantê-la é igual à dos que preferem que acabe. Se dependesse da opinião dos cidadãos comuns, teríamos um impasse.
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Existem razões para defender as duas opções, embora a quase totalidade das democracias avançadas atuais tenham o voto apenas como direito e não como dever. O debate entre críticos e defensores do modelo já dura anos, sem que qualquer lado possa se dizer vitorioso. No cerne, a principal diferença está na avaliação de quando convém a um país como o nosso abrir mão da obrigatoriedade e avançar em direção ao voto facultativo. Quem concorda com nossa tradição entende que ainda é cedo. Quem quer alterá-la acha que já estamos preparados.
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Quando perguntadas, nas pesquisas, sobre como se comportariam se o voto não fosse compulsório, uma boa proporção das pessoas afirma que continuariam a votar. Em uma feita pelo Vox Populi nas vésperas da eleição de 2010, por exemplo, 74% dos entrevistados disseram que votariam mesmo se o voto fosse facultativo. Fora do ambiente eleitoral, as respostas costumam ser menos enfáticas. Em uma pesquisa anterior do Vox, a pergunta oferecia três opções ao entrevistado: se votaria sempre, se votaria dependendo da eleição ou se não votaria, caso não houvesse a obrigação.
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Os resultados indicam que, se o voto fosse opcional, existiriam, no Brasil, dois tipos de eleitor (cada um com perto de 35% a 37% do eleitorado) e um grupo de não eleitores - com os restantes 30% ou um pouco menos). Poderíamos chamar os primeiros de eleitores regulares, que votariam em qualquer situação. Os segundos, de eleitores ocasionais, que votariam apenas quando se sentissem motivados. Os terceiros seriam as pessoas que tenderiam a nunca votar. Levando essas proporções ao pé da letra, a expectativa seria a de que, nas eleições reais, o número de votantes ficasse abaixo de dois terços do eleitorado (pois o terço final seria formado pelos não eleitores), mas não inferior a um terço (pois os eleitores regulares garantiriam esse mínimo). Entre os dois, as taxas de comparecimento poderiam variar, em alguns casos ficando aquém, mas, na maior parte das vezes, indo além dos 50%.
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Ao olhar nossas eleições presidenciais modernas, vemos resultados coerentes com essa hipótese. Em 1989, pelo inusitado, tivemos a única em que os não eleitores foram bem menos que o esperado e o total de votantes chegou a 81%. Em 1994, os votantes caíram para 66% e, em 1998, para 63% do eleitorado, o que indica quão desmobilizadoras foram as eleições dominadas pelo Plano Real. Em 2002 e 2006, a proporção de votantes voltou a subir, para perto dos 75%. Agora em 2010, continuamos nesse patamar. O que isso sugere é que, apesar da obrigatoriedade formal, o eleitorado brasileiro se comporta de maneira semelhante ao que declara que faria se o voto fosse facultativo. Ou seja, o fato de o voto ser obrigatório não implica nem que todos queiram votar nem que votem.
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Note-se que, caso fossem considerados os números de outras eleições, como as municipais e legislativas, teríamos, em muitas situações, distâncias ainda maiores entre eleitores e votantes – entre os que estão obrigados a votar e os que votam. Em alguns estados do Nordeste, nas eleições para a Câmara dos Deputados, não são raros exemplos em que o total de votos nominais fica abaixo da metade da população apta a votar.
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Ganha-se alguma coisa ao se oficializar o que existe? Tornando legal aquilo que a sociedade faz na prática? É provável que sim, assim como é provável que pouco perderíamos se abandonássemos o voto compulsório. O risco de os coronéis do interior obrigarem as pessoas a ir votar (ou a deixar de fazê-lo) é real, mas afeta um pedaço cada vez menor do País, em eleições cada vez menos importantes. A adoção do voto facultativo - especialmente se vier acompanhada da desobrigação do registro, permitindo que o eleitor exerça seu direito de voto quando quiser e livre de burocracias - pode aprofundar a democracia brasileira.
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(*) Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.
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FONTE: http://www.cartacapital.com.br
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sexta-feira, 11 de março de 2011

Mulher e política: representação do poder (parte 2)

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A história a cada dia desvenda a importância da participação das mulheres e de sua ação política nos processos revolucionários. Da Revolução Francesa e Americana à Revolução Industrial, da abolição da escravatura à ampliação dos direitos dos(as) cidadãos/cidadãs, as mulheres foram força e presença em todos os processos revolucionários que mudaram as relações entre os homens e entre os gêneros na História Moderna e Contemporânea.
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No Brasil, a presença das mulheres nas lutas libertárias está sendo desvendada à medida que as pesquisas com enfoque de gênero trazem à tona novos sujeitos, antes invisíveis por uma ciência que não lhes reconhecia como tal. São reconhecidas e notórias as presenças de precursoras como Nísia Floresta, Isabel Dilan, Bertha Lutz, Gilka Machado, Leolinda Daltro, que foram lutadoras intransigentes dos direitos femininos, dentre os quais o direito ao voto.
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A conquista do voto em 1932 não significou para as mulheres uma mudança substancial nos valores sociais então vigentes, uma vez que estas continuaram submetidas a uma estrutura patriarcal conservadora e a um modelo de cidadania que privilegiava a imagem pública como espaço masculino. As mulheres, pela trajetória como se inseriram na política, precisavam de um tempo maior para se adaptar à nova realidade. A insegurança, o desconhecimento das regras do mundo público, os condicionamentos culturais e psicológicos, as práticas partidárias excludentes, continuavam atuando sobre as mulheres, mantendo-as afastadas da estrutura formal do poder político.
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As ações afirmativas - mais precisamente a Lei de Cotas - são formas positivas de reverter formalmente o quadro de desigualdade entre os gêneros e entre seres historicamente excluídos. A Lei 9.100/95 vem responder as reivindicações dos movimentos de mulheres, entretanto, sabe-se que, somente com uma ação conjunta das diversas organizações de mulheres, com os partidos políticos, e a partir de um projeto de educação política que tenha o gênero como recorte metodológico, será possível diminuir estas disparidades.
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É certo que a Lei das Cotas não irá mudar esse quadro nas próximas eleições, entretanto, a legalidade permitirá uma maior ousadia das mulheres de adentrar num mundo antes interditado. O ato de permitir, o que antes foi negado de forma autoritária e irracional, pode ser também estimulante. A presença cada vez maior de mulheres nas Câmaras Municipais significa sua preocupação com os destinos da Cidade da qual elas estão mais próximas, mais receptivas e com maior poder de articulação para intervir, dadas as suas relações familiares. Sua inserção em um espaço geográfico mais favorável, sem o deslocamento para exercer a vida pública, é mais facilitado.
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Diferente das Assembléias Legislativas e Câmara Federal, que pode significar muitas vezes uma dificuldade para conciliar a vida pública com a vida privada, devido as cobranças que em geral são feitas às mulheres. Ao contrário disso, os homens são mais estimulados, desde cedo, uma vez que o poder lhe é visto como algo natural, intrínseco a sua condição de homem.
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FONTE: http://www.infojovem.org.br
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Jovens, Internet e política

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Patrícia Lânes
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As manifestações em curso no Egito nas últimas semanas abrem a possibilidade de uma série de reflexões sobre o uso da Internet e das chamadas NTIC (Novas Tecnologias da Informação e Comunicação) nas mobilizações sociais, sobretudo as de massa, nos nossos dias. Artigo de Felipe Corazza, publicado em 03 de fevereiro de 2011 no site da Carta Capital, engrossa o debate falando do papel desempenhado por esses meios, problematizando o fato de terem sido eles os responsáveis pela adesão massiva da população egípcia às manifestações contra o atual presidente do país, o ditador Hosni Mubarak, há três décadas no poder.
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Alguns jovens egípcios falam que, através das redes sociais da Internet, a mobilização para a ação nas ruas já vinha acontecendo há mais de um ano. Outros, no entanto, têm uma visão diferente e dizem que com ou sem Internet a população estaria nas ruas. No entanto, aliada às novas tecnologias, a Internet vem cumprindo o papel de mostrar as manifestações para o mundo e conseguir novas adesões. Nas palavras do jornalista e blogueiro egípcio Hossam el-Hamalawy, em entrevista ao professor da Universidade da Califórnia Mark LeVine: "A internet desempenha um papel na difusão da palavra e das imagens do que ocorre no terreno. Não utilizamos a internet para nos organizar. A utilizamos para divulgar o que estamos fazendo nas ruas com a esperança de que outros participem da ação."
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A Internet ou as mensagens via celular, Facebook e Twitter jamais poderiam sozinhos ser responsáveis pelo engajamento de milhares de pessoas a determinada causa. No entanto, eventos recentes, dos quais talvez o Egito seja o caso mais evidente e paradigmático, indicam que não é mais possível relegar o uso dessas tecnologias a uma posição coadjuvante quando se trata de causas coletivas. A relação que sempre aparece nesse debate é entre o uso dessas novas tecnologias e suas ferramentas, espaços de articulação política e participação dos(as) jovens.
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Aqueles e aquelas que foram socializados nesses novos meios ainda crianças e adolescentes, uma geração que nasceu junto ou depois de celulares, da Internet e de derivados, têm maior facilidade para conhecer e criar novas possibilidades para seus usos. No entanto, é também muito criticado o uso de tais tecnologias para a publicização da vida privada, que estaria contribuindo para propagar um ethos individualista e consumista. Os meios abrem possibilidades, mas seus usos são orientados pelas ações e idéias disponíveis socialmente.
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Estudo recente realizado por Ibase, Pólis e instituições de pesquisa em seis países da América do Sul, com apoio do IDRC, evidenciou que muitas das manifestações públicas lideradas por jovens na última década tiveram forte vinculação com os meios de comunicação (comerciais e as ditas mídias alternativas) e com as novas tecnologias da informação. Muitas ações dos movimentos pressupõem uma face pública, se fazer ver e ouvir pelo restante da sociedade para mobilizar população e pressionar governos, empresas, etc. E os meios de comunicação têm papel importantíssimo.
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No Chile em 2006, milhares de estudantes secundaristas protagonizaram o que ficou conhecido dentro e fora do país como Revolução dos Pinguins (referência ao uniforme dos estudantes). Eles ocuparam suas escolas por discordar dos encaminhamentos dados pelo governo do país em relação à educação, reivindicando educação pública, gratuita e de qualidade. Além da ocupação física do espaço escolar, a criação de blogs e fotologs das ocupações e do movimento ajudou a dar o caráter nacional e descentralizado da manifestação, mobilizando cerca de 800 mil estudantes em dois meses de norte a sul do país. Entre as demais ações estudadas inicialmente pela pesquisa em questão - Juventude e Integração Sul-americana, Ibase, Pólis, 2008 - muitas se utilizam de blogs, fotologs e fóruns de debates virtuais para mobilizar e organizar suas ações.
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Foi o caso do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, dos jovens sindicalizados do telemarketing, dos grupos de Hip-Hop Aymara de El Alto (Bolívia), dos coletivos juvenis ligados ao Departamento de Juventude de Concepción (Chile), dos estudantes secundaristas organizados na Fenaes (Paraguai), de grupos articulados na Coordinadora por la Legalización de la Marihuana (Uruguai) ou dos Jóvenes de Pie (Argentina). Em todos esses exemplos, o uso da Internet e das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) se combinam a formas "tradicionais” de militância e essas combinações possíveis também trazem pistas de um jeito próprio dessa geração fazer política, um jeito novo e colaborativo (2.0).
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Talvez um dos exemplos mais contundentes e reveladores seja o do Acampamento Internacional da Juventude (AIJ), organizado durante as edições brasileiras do Fórum Social Mundial (FSM), em especial naquelas que ocorreram em Porto Alegre. Ali, as possibilidades de inventar e praticar novas formas de comunicação e novas maneiras de produzir informação rompiam fronteiras e abriam espaços para o diálogo, hoje cada vez mais cotidiano, entre rádio, televisão, Internet, cinema e produções artísticas das mais variadas. Nesse caso em especial, as experimentações com os meios se aliavam a um debate mais denso sobre auto-gestão e a produção, reprodução e disseminação do que é produzido dentro e fora da rede, do qual o software livre é um ótimo exemplo. Ao analisar as formas de participação social dos jovens, Vital e Novaes apontam que: "No âmbito da participação social de jovens, as novas tecnologias de informação e comunicação se tornam instrumentos úteis para a circulação de informações sobre vários temas e causas e, ao mesmo tempo, alimentam novas bandeiras de luta.
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Recuperando as pistas deixadas pelos últimos acontecimentos do Egito, é possível vislumbrar que as novas tecnologias da informação e da comunicação fazem parte do cotidiano dos(as) jovens, em cada vez maior escala, nos centros e periferias do Brasil e do planeta, sendo "natural” que estejam em seu repertório de sociabilidades e também de lutas e mobilizações. Os jovens não são reféns das tecnologias. Se as formas de sociabilidade foram alternadas a partir da experiência das mudanças tecnológicas, as culturas locais e as formas mais ou menos tradicionais de se fazer política continuam aí. As mobilizações podem acontecer com a ajuda de redes sociais como Orkut, Facebook ou Twitter. No entanto, a ocupação das ruas e espaços públicos ou o fechamento de ruas e estradas continuam gerando a repercussão social e política que tiveram os últimos acontecimentos. E é ótimo que sejam filmados por celulares e difundidos pelo youtube. As implicações políticas e sociais e as mudanças em curso geradas por tais manifestações só estão acontecendo porque o uso das novas tecnologias está sendo, uma vez mais, combinado com a ocupação massiva e permanente de ruas, praças e avenidas!
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De acordo com as conclusões da pesquisa Juventudes Sul-americanas, publicadas no Livro das Juventudes Sul-americanas (Ibase, Pólis, 2010) "(...) se é verdade que esta é a geração da "tecnossociabilidade”, é preciso não minimizar a convivência das novas tecnologias com diferentes agências de socialização, tais como a família, bairro, escola, igrejas. A sociabilidade de determinado segmento juvenil é sempre fruto de diferentes combinações de espaços de socialização. Isso porque o "atual” é composto por uma variedade de arranjos entre tradição e inovação, presentes na vida de diferentes segmentos juvenis. Sem levar em conta esses aspectos, corre-se, mais uma vez, o risco de homogeneizar a juventude. Compreender a existência de diferentes dinâmicas no uso das tecnologias é também uma forma de transpor obstáculos para que as chamadas "minorias ativas” (jovens que participam de grupos, redes e movimentos) se aproximem mais da realidade da maioria da juventude de cada país”. Os últimos acontecimentos protagonizados também por amplos segmentos da juventude egípcia são um bom exemplo disso.
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FONTE: http://www.adital.com.br
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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A crise da hegemonia no Oriente Médio

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Emir Sader (*)
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A hegemonia do capitalismo no mundo se assentou na industrialização, que promoveu sua superioridade econômica, com todos os seus outros desdobramentos – tecnológicos, culturais, políticos. Esse processo se apoiou centralmente no petróleo como fonte energética, sem que a Europa ocidental – seu núcleo original – pudesse contar com petróleo.
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A hegemonia norteamericana consolidou o estilo de consumo da civilização do automóvel – a mercadoria por excelente do capitalismo norteamericano –, que acentuou o papel do consumo de petróleo. Embora os EUA tivessem petróleo, seu gasto excessivo fez com que suas fontes se aproximassem cada vez mais do esgotamento, além de que o montante que sempre precisaram os fez se somarem aos países que dependem da importação do petróleo. Estava assim inscrito no estilo de vida ocidental, a dominação dos países árabes, para dispor de petróleo a preços baratos. Esse esquema encontrou seu primeiro grande obstáculo com o surgimento de regimes nacionalistas, em países fundamentais na região, como o Egito e o Irã. Os problemas convergiram na crise de 1973, em que se uniram o aumento do preço do petróleo com a reivindicação do Estado palestino e a oposição ds governos árabes unidos a Israel.
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Diante da crise, os EUA passaram a operar em duas direções: intensificar os conflitos que dividissem o mundo árabe – como a guerra Iraque-Irã – e buscar formas de conseguir a presença permanente de tropas norte-americanas na região – obtida a partir da primeira guerra do Iraque. O enfraquecimento dos governos árabes e da sua unidade interna foi acompanhada da cooptação do governo do Egito – depois da morte de Nasser, primeiro com Sadat (o primeiro a normalizar relações com Israel) e depois com Mubarak, o que fez desse pais o aliado fundamental dos EUA no mundo árabe, recebendo a segunda maior ajuda militar de Washington no mundo, logo atrás de Israel.
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A diversificação das fontes de energia – com a importação de gás da Rússia – alivia um pouco a demanda de petróleo, mas incorpora a dependência de um país que tampouco aparece como confiável para a Europa. Mais seguro é o controle politico e militar da região pelos EUA, como garantia para a Europa. Os países europeus não participaram das guerras do Iraque – com exceção da Inglaterra -, mas as financiaram, pelos serviços que os EUA lhes prestam.
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A eventual perda do Egito como eixo do controle politico da região seria gravíssimos para os EUA – além da queda do ditador aliado na Tunísia e outros desdobramentos em países com governos similares na região. Além de que poderia contribuir decisivamente para romper o isolamento de Gaza, liberando a entrada via Egito, até aqui tão bloqueada como aquela controlada por Israel.
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A impotência norteamericana diante das formas tradicionais de intervenção militar confirma a decadência da hegemonia dos EUA, nesse caso em uma região e em um país chaves para seu sistema de dominação. Está claro que Obama já abandonou a possibilidade de sobrevivência de Mubarak, concentrando-se agora numa transição que permita a cooptação de quem vier a sucedê-lo. É um tema aberto, que pelo menos revela que a alternativa aos regimes ditatoriais da região não reside obrigatoriamente em forças islâmicas – argumento utilizado na lógica do mal menor de apoio a esses ditadores.
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Em condições culturais renovadas, o nacionalismo árabe pode renascer, agora articulando uma nova unidade de governos progressistas, anti-EUA e pró palestinos na região – a pior das possibilidades para Washington -, mas plenamente possível, pela intervenção espetacular dos povos desses países.
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(*) Sociólogo, cientista e doutor em Ciência Política pela USP.
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FONTE: http://www.viomundo.com.br
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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Mulher e política: representações do poder
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O impacto proporcionado pela ação política do movimento feminista é responsável pela gradativa mudança de mentalidade que vem se processando na sociedade, juntamente com a implementação de políticas públicas que têm contribuído para a transformação da condição social das mulheres nas últimas décadas. Embora este fato seja observado por diversos autores, existem setores que continuam como “santuários que fogem às mulheres”: o religioso, o militar e o político, como três ordens da Idade Média, constituem segundo Perrot (1998) espaços que continuam quase inacessíveis às mulheres, haja vista a resistência histórica de integrar mulheres neste “redutos”, no qual os homens dominavam e ainda dominam plenamente.
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Ao analisar a presença das mulheres no legislativo em diferentes países da América Latina, do Caribe, dos Estados Unidos e da África pudemos perceber que a representação feminina ainda é bastante desigual. Mesmo em países que passaram por processos revolucionários recentes como foi o caso de Moçambique a representação das mulheres reflete uma iniqüidade de gênero. No Brasil, a história da participação da mulher no parlamento, tem como marco inicial à conquista do direito ao voto que se deu em 1932. Essa conquista é resultado da luta contínua do movimento sufragista, que emergiu, no Brasil em 1919, culminou com a conquista do direito ao voto pelas mulheres, mas, não foi suficiente para que estes contingentes humanos superassem o processo de exclusão.
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Até a década de 1970 esse quadro de exclusão não sofreu muitas modificações. A partir do final da década de 1980, a situação se modifica, em virtude do crescimento industrial, que contribuiu para um aumento significativo da participação feminina no mercado de trabalho, e, na crescente inserção das mesmas, nos cursos superiores. A isto se aliou o processo de redemocratização do País que se instaurou nesse período. Esses fatos contribuem, para ampliar a participação da mulher nas esferas de poder, encorajando-as, também, a organizarem-se politicamente, o que revela a importância dos movimentos de mulheres nesse processo.
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O momento da elaboração da nova constituição brasileira foi fundamental, para que as mulheres, a partir de sua atuação conquistassem direitos legais e obtivesse legitimidade para suas reivindicações, inclusive na esfera da política institucional. Nesse período foram criados os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais da Condição Feminina, as delegacias da mulher, os coletivos de mulheres nos partidos e sindicatos, a implementação da Lei das Cotas. Porém, essas instâncias de representação e reconhecimento político não determinaram um equilíbrio entre homens e mulheres em termos de representação no legislativo.
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Lei das cotas e representação das mulheres no poder
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O processo de implementação da política de cotas no Brasil é muito recente. Contudo, esta política vem dando, no mínimo, mais visibilidade à exclusão da mulher nos espaços políticos e às disparidades existentes no âmbito político, entre homens e mulheres. Por esta razão, elas vêm sendo tratadas como um tema central das discussões de gênero e política, sendo consideradas pelo movimento feminista como expressão e reconhecimento público alcançado pelas demandas femininas. Existem muitos equívocos a respeito das cotas que precisam ser elucidados enfatiza Delgado (1996), por exemplo, a de que 30% de participação das mulheres não resolvem a desigualdade: a luta deve ser por 50%. Embora o movimento lute pela paridade, um percentual de 30% representa um ganho político se considerarmos a estrutura da sociedade e a relações patriarcais que perpassam toda a estrutura da mesma.
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Um outro grande equívoco é o de que a Lei das Cotas não garante que a mulher tenha real acesso ao poder. As cotas não irão mudar as relações de poder à curto prazo, uma vez que ela representa um elemento que modifica a composição dos órgãos diretivos, traz novas idéias para o debate e propicia uma nova forma de aprendizagem do exercício do poder. Além disso, as cotas aguçam a participação feminina e tende a criar condições mais favoráveis a ampliação do número de mulheres nas direções de sindicatos, partidos, assembléias, câmaras, etc, que por sua vez irão tornar mais visível seu cotidiano e os obstáculos à sua integração à vida política.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

PSB: uma nova força à esquerda
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Rodrigo Martins
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Com seis governadores eleitos, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) emerge nestas eleições como nova força. O partido sai da disputa com o segundo maior número de governos estaduais, ao lado do PMDB e atrás apenas do PSDB- (com sete). No Senado, elegeu três parlamentares, um a mais do que a composição atual. É a legenda que mais cresceu proporcionalmente na Câmara (26%), aumentou a sua bancada de 27 para 34 deputados. Em expansão, a sigla ameaça o poder de partidos como o DEM, que chegou a ter cem representantes em 1998 (com o nome PFL).
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Ainda é, no Congresso, um partido médio, com a sétima maior bancada. Mas com o peso dos governos estaduais deve tornar-se cada vez mais relevante nas articulações políticas, um cenário bem diferente de oito anos atrás, quando lutava para sobreviver à extinta cláusula de barreira, que exigia das legendas ao menos 5% dos votos para garantir representação na Câmara. Para analistas, o ex-partido modesto tem chances, inclusive, de participar de um projeto de poder alternativo ao PT em 2014.
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Na avaliação do senador Renato Casagrande, governador eleito pelo Espírito Santo com 82,3% dos votos, o êxito do partido deve-se a dois fatores. Primeiro, à aliança nacional em torno da candidatura de Dilma Rousseff, que permitiu ao PSB fechar pactos importantes nos estados. Segundo, à boa avaliação dos governos de Cid Gomes, reeleito no Ceará com 62,3% dos votos, e Eduardo Campos, que ficará mais quatro anos à frente de Pernambuco, após obter a votação recorde de 82,8%. "Estas eleições mostraram que o PSB não tem medo de governar e mostrar resultados", afirma Casagrande. "Qualquer partido, para crescer, precisa consolidar seu nome nacionalmente e garantir uma boa representação na Câmara. Entendo, no entanto, que fizemos uma boa escolha ao deixar de lançar um nome na corrida presidencial e garantir apoio nos estados."
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Trata-se de uma aposta bem diferente da feita pelo PSB em 2002, quando lançou a candidatura do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, à Presidência da República, em vez de participar da coligação que elegeu Lula. O partido havia aberto as portas a Garotinho dois anos antes, quando o político abandonou o PDT após entrar em choque com Leonel Brizola. O novo quadro ficou em terceiro lugar na corrida presidencial. Ajudou a eleger a mulher, Rosinha Garotinho, ao governo do Rio, e o PSB a superar a cláusula de barreira com a eleição de 22 deputados. No ano seguinte, trocaria o PSB pelo PMDB, levando consigo 12 parlamentares.
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Desde o início, importantes nomes do partido mostraram-se refratários ao ingresso de Garotinho no PSB. "De fato, ele não tinha o menor vínculo de identidade com o partido. O PSB perdeu a chance de se aliar à candidatura Lula já no primeiro turno. Se o fizesse, talvez o presidente não precisasse de um leque de alianças tão largo e hetereogêneo, que veio, no futuro, a lhe causar problemas e que impediu o Brasil de avançar mais", avalia a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP).
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Um dos principais ideólogos do partido, Roberto Amaral, vice-presidente do PSB e ministro de Ciência e Tecnologia no primeiro mandato de Lula, avalia que o episódio não deixou marcas negativas. "O PSB não apoiou Sarney, Collor, Itamar Franco nem FHC. Mesmo quando lançamos a candidatura Garotinho, apoiamos Lula no segundo turno. Nossos ideiais continuam os mesmos", afirma. De acordo com ele, um dos principais desafios do partido, agora, é garantir uma maior inserção do partido no Sudeste." Somos muito fortes no Nordeste. As reeleições de Cid Gomes e Eduardo Campos comprovam isso. A expressiva votação de Casagrande no Espírito Santo nos dá um alento, mas a verdade é que ainda não tivemos êxito no que chamo de 'Triângulo das Bermudas': São Paulo, Minas e Rio de Janeiro."
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Amaral insiste que o PSB deve caminhar na articulação de um bloco de esquerda na Câmara, capaz de dar apoio, mas também pautar as políticas públicas. "Se apoiamos Lula e Dilma, é porque vimos pontos de convergência. Só que o PSB também tem um projeto." Quanto às especulações em torno de uma possível aproximação com Aécio, mostra-se reticente. "Você fala em nomes, Cid Gomes, Eduardo Campos… Eu falo em partido. Além disso, não vejo tanta diferença entre Aécio e Serra. Não vejo essa 'oposição progressista' ou menos raivosa de que tanto falam."
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De acordo com o cientista político Leo-nardo Avritzer, pós-doutor pelo Massachusetts Institute Of Technology (MIT, dos Estados Unidos) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a aposta numa nova oposição capitaneada por Aécio e líderes do PSB é bastante factível. "Se o PSDB aprender a lição das urnas, o centro do partido deverá se deslocar de São Paulo para Minas. E, dada a proximidade de Aécio com Eduardo Campos e Ciro Gomes – por tabela com o irmão Cid Gomes –, não é delírio imaginar que desse grupo surja o adversário do PT em 2014."
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FONTE: Revista Carta Capital.
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Brasil: por uma nova agenda de desenvolvimento
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Fabio Caldeira
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Quando temos a oportunidade de reciclar e/ou acrescentar conhecimentos em centros de excelência, seja no Brasil ou no exterior, agregamos duas questões básicas: a consolidação e o aprimoramento em um tema específico em bases mais sólidas, e a reformulação de conceitos e aspectos programáticos de acentuada relevância, não detectados anteriormente. Em sua segunda edição, o BID (Indes-Prodev) promove na capital norte-americana um dos seus mais conceituados e importantes cursos para integrantes de administrações públicas dos países que o integram. O curso trata da efetividade de políticas públicas para alcançar o desenvolvimento.
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Algumas conclusões e constatações emergem por sua relevância. Respeitando as devidas diferenças entre os países latino-americanos, vemos similitudes nos aspectos políticos, sociais e econômicos entre os mesmos. A realidade mostra que após um período de governos ditatoriais, apenas Cuba em toda a região não é reconhecida como um país democrático, não obstante grande parte dos demais apresentarem apenas um sistema democrático no aspecto formal.
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No campo econômico, excetuando os Estados Unidos e Canadá, praticamente todos apresentaram nas décadas de oitenta e noventa altas taxas de inflação e crise fiscal, e adotaram o nefasto receituário do Consenso de Washington. Em relação às questões sociais, foram agravadas pela aplicação de políticas econômicas equivocadas, proporcionando à região o agravamento da dívida social, aumento da pobreza e da desigualdade.
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No Brasil, o enorme abismo entre ricos e pobres o coloca na posição de um dos mais desiguais do planeta. Os estudos são explícitos no sentido de que, não obstante um acentuado aumento nos gastos sociais na região nas últimas décadas, os problemas não foram reduzidos de maneira satisfatória. Logo, há uma necessidade premente de reavaliar como os recursos estão sendo aplicados.
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Esta constatação nos remete a vários aspectos, que vão desde um novo arranjo organizacional das instituições públicas, passando por formas mais eficientes de controle dos recursos públicos, avaliação e monitoramento mais adequada dos programas sociais e uma gestão pública mais eficiente e eficaz, dentre outras de relevância não menor, não desconsiderando em hipótese nenhuma, temas mais amplos e polêmicos, como o tão falado e pouco efetivado pacto federativo e no campo político a definição e implementação de um novo e moderno sistema político - eleitoral.
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E em termos de Brasil, por estarmos em ano eleitoral, momento mais do que oportuno e pertinente para que os candidatos em todos os níveis da federação, tanto a cargos executivos como legislativos, apresentem suas propostas e idéias para uma maior efetivação das políticas públicas, visando alcançar uma sociedade menos desigual e com projetos de curto, médio e longo prazo para alcançar um desenvolvimento sustentado.
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FONTE: www.psbbh.com/formacao-politica/artigos
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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Presidente, governador, senador: o que fazem?
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Antonio Carlos Olivieri (*)
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Em seu artigo 1º, a Lei 9.504/97, que estabelece as normas para as eleições no Brasil, diz que elas: "[...] dar-se-ão, em todo o País, no primeiro domingo de outubro do ano respectivo". (O adjetivo "respectivo", no caso, refere-se ao fato de as eleições municipais não ocorrerem no mesmo ano que as federais e estaduais.) Então, em 1º de outubro de 2006, por exemplo, teve lugar a disputa para os cargos de presidente da República, governadores de Estado, senadores, deputados federais e estaduais.
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A imprensa acompanhou a campanha, que, nos últimos dias, foi maculada por mais um escândalo: a chamada "crise do dossiê", que levou a eleição presidencial para segundo turno. Porém, vamos deixar de lado os fatos e pensar a eleição pelo seu aspecto institucional. Você, por acaso, sabe quais são as atribuições básicas de cada um dos cargos que foram pleiteados pelos candidatos? Não? Então vale a pena apresentá-las resumidamente nas linhas que seguem. Caso queira conhecê-las detalhadamente você deve remeter-se à Constituição Federal do Brasil (1988).
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Chefe de Estado e de Governo
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Para começar, o presidente da República. Ele é o chefe de Estado e do Governo brasileiro. Nos regimes parlamentaristas, o chefe de Estado, isto é, aquele que representa a nação, pode ser um presidente, um rei, rainha ou imperador. Já quem efetivamente cuida dos negócios do governo é o primeiro-ministro. Num regime presidencialista como o nosso, o presidente assume os dois papéis. Nessas funções, o ocupante da Presidência, auxiliado por seu ministério, cuida da defesa nacional e das relações com outros países, também define as regras de comércio exterior e quanto o país deve poupar para pagar as suas dívidas, que no caso brasileiro não são poucas. Além disso, ele é responsável pela infra-estrutura nacional (transportes, comunicações, fontes de energia, etc.), bem como pelas políticas de saúde, cultura e educação. Finalmente, ele aprova as leis formuladas no Congresso, e também pode propor leis - o que deveria acontecer de modo excepcional, uma vez que fazer leis é a função principal do Legislativo.
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A função do Senado Federal
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O poder Legislativo, por sua vez, é constituído pelo Congresso nacional, que se divide em duas casas, ou repartições, por assim dizer: o Senado e a Câmara dos Deputados. Os senadores representam os interesses dos Estados pelos quais foram eleitos. Entre suas principais atribuições estão debater e aprovar os projetos que passaram pelos deputados federais. Também lhes cabe fiscalizar as ações do presidente da República, aprovar a nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como os acordos internacionais que vão vigorar no território nacional. Ainda é de sua responsabilidade autorizar empréstimos externos tomados por governos estaduais e municipais. Finalmente, se a Câmara dos Deputados aprovar um processo de impeachment contra o presidente da República, por crime de responsabilidade, são os senadores que vão julgá-lo, como aconteceu no caso de Fernando Collor de Mello, em 1992 - só para lembrar, Collor renunciou no último momento para evitar o processo de impeachment.
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O papel da Câmara de deputados
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Quanto aos deputados federais, são eles que fazem, debatem e aprovam as leis nacionais, bem como aprovam emendas à Constituição Federal. Eles também aprovam o orçamento anual da União proposto pelo poder Executivo (Ministério do Planejamento). A Câmara fiscaliza as contas e os atos do presidente, do vice e dos ministros, podendo convocá-los a se explicar e abrir Comissões Parlamentares de Inquérito, as CPIs, que se tornam cada vez mais comuns no dia-a-dia da vida política nacional. O Brasil é uma República Federativa. Isso significa que o país é a reunião de vários Estados num só. No entanto, cada um deles conta com uma autonomia interna, um governo próprio e suas próprias Constituições. Nesse sentido, pode-se estabelecer um paralelo entre as funções do presidente da República e do governador de Estado, assim como as dos deputados federais e estaduais.
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Os governos estaduais
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De qualquer modo, para dar uma idéia mais definida do papel dos poderes Executivo e Legislativo nos Estados, pode-se dizer que o governador, com seu secretariado, gerencia a administração estadual, colocando em prática planos para estimular as vocações econômicas das regiões estaduais. Para isso, ele defende os interesses do Estado junto à Presidência e busca investimentos e obras federais. Nos dias que correm, dado ao aumento da criminalidade e ao avanço do crime organizado, é importante lembrar que o governador é o responsável pela segurança pública, controlando as Polícias Civil e Militar, bem como construindo e administrando presídios. Já aos deputados estaduais cabe fiscalizar as ações do governador e secretários de Estado, podendo convocá-los a prestar contas e a abrir CPIs. Eles também fazem, debatem e aprovam as leis de interesse estadual, assim como criam impostos e taxas estaduais. Finalmente, junto com o governador, elaboram o orçamento do Estado.
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(*) Escritor e jornalista.
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