O poder nu (parte III)
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Bertrand Russell (*)
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Bertrand Russell (*)
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"A maquinaria da fraude - diz Grote - pela qual o povo era enganado e levado à submissão temporária, como um prelúdio da maquinaria da força, pela qual a submissão deveria ser perpetuada sem o seu assentimento, era coisa corriqueira entre os usurpadores gregos". Até que ponto as primitivas tiranias eram perpetuadas sem o assentimento popular, é coisa sobre a qual pode haver dúvidas, mas, quanto ao que se refere às tiranias posteriores, isso é, sem dúvida, verdadeiro. Tomemos, por exemplo, a descrição de Grote, baseada em Diodoro, do momento crítico da ascensão de Dionísio, o Antigo. As armas de Siracusa haviam sofrido derrotas e desgraças sob um regime mais ou menos democrático, e Dionísio, o líder escolhido pelos campeões de uma guerra vigorosa, exigia a punição dos generais vencidos.
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"Em meio do silêncio e da inquietude que reinavam na Assembléia de Siracusa, Dionísio foi o primeiro que se ergueu para dirigir-lhe a palavra. Discorreu longamente sobre um tema apropriado tanto para o temperamento de seus ouvintes como para seus próprios propósitos. Denunciou com veemência os generais que, segundo ele, haviam traído a segurança de Siracusa ante os cartagineses – apontando-os como culpados da ruína de Agrigento e do perigo iminente em que todos se achavam. Expôs seus crimes, reais ou supostos, não apenas com acrimônia e abundância de pormenores, mas, também, com uma violência feroz, ultrapassando todos os limites de um debate legítimo, procurando condená-los a um assassínio ilegal, como a morte dos generais ocorrida recentemente em Agrigento. "Tendes aí os traidores! Não espereis um julgamento ou um veredicto legal, mas lançai mão deles incontinenti infligindo-lhes uma justiça sumária". Essa exortação, brutal, era uma ofensa não só contra a lei como contra a ordem parlamentar.
"Em meio do silêncio e da inquietude que reinavam na Assembléia de Siracusa, Dionísio foi o primeiro que se ergueu para dirigir-lhe a palavra. Discorreu longamente sobre um tema apropriado tanto para o temperamento de seus ouvintes como para seus próprios propósitos. Denunciou com veemência os generais que, segundo ele, haviam traído a segurança de Siracusa ante os cartagineses – apontando-os como culpados da ruína de Agrigento e do perigo iminente em que todos se achavam. Expôs seus crimes, reais ou supostos, não apenas com acrimônia e abundância de pormenores, mas, também, com uma violência feroz, ultrapassando todos os limites de um debate legítimo, procurando condená-los a um assassínio ilegal, como a morte dos generais ocorrida recentemente em Agrigento. "Tendes aí os traidores! Não espereis um julgamento ou um veredicto legal, mas lançai mão deles incontinenti infligindo-lhes uma justiça sumária". Essa exortação, brutal, era uma ofensa não só contra a lei como contra a ordem parlamentar.
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Os magistrados que presidiam a Assembléia censuraram Dionísio como perturbador da ordem e o multaram como a lei lhes permitia. Mas seus partidários acorreram ruidosos em seu apoio. Filisto não só pagou imediatamente a multa, como declarou, em público, que continuaria pagando, durante todo o dia, as multas semelhantes que pudessem ser impostas - e incitou Dionísio a que persistisse em tal linguagem, que lhe parecia apropriada. O que começara como uma ilegalidade agravava-se agora com um desafio aberto à lei. No entanto, tão debilitada se encontrava a autoridade dos magistrados, e era tão veemente o alarido que se erguia contra eles, na situação em que se achava a cidade, que não lhes era possível castigar ou fazer com que o orador se calasse.
Os magistrados que presidiam a Assembléia censuraram Dionísio como perturbador da ordem e o multaram como a lei lhes permitia. Mas seus partidários acorreram ruidosos em seu apoio. Filisto não só pagou imediatamente a multa, como declarou, em público, que continuaria pagando, durante todo o dia, as multas semelhantes que pudessem ser impostas - e incitou Dionísio a que persistisse em tal linguagem, que lhe parecia apropriada. O que começara como uma ilegalidade agravava-se agora com um desafio aberto à lei. No entanto, tão debilitada se encontrava a autoridade dos magistrados, e era tão veemente o alarido que se erguia contra eles, na situação em que se achava a cidade, que não lhes era possível castigar ou fazer com que o orador se calasse.
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Dionísio prosseguiu em sua arenga em tom ainda mais inflamado, não só acusando os generais de haver traído, corruptamente, Agrigento, mas, também, denunciando os cidadãos mais destacados e ricos como oligarcas que exerciam um predomínio tirânico, que tratavam a maioria com desdém e se beneficiavam com os infortúnios da cidade. Siracusa, afirmou, jamais poderia ser salva, a menos que homens de caráter inteiramente diferente fossem investidos de autoridade. “Homens não escolhidos pela riqueza ou por sua situação, mas de nascimento humilde, pertencentes ao povo e bondosos em sua conduta, pela consciência de sua própria fraqueza".
Dionísio prosseguiu em sua arenga em tom ainda mais inflamado, não só acusando os generais de haver traído, corruptamente, Agrigento, mas, também, denunciando os cidadãos mais destacados e ricos como oligarcas que exerciam um predomínio tirânico, que tratavam a maioria com desdém e se beneficiavam com os infortúnios da cidade. Siracusa, afirmou, jamais poderia ser salva, a menos que homens de caráter inteiramente diferente fossem investidos de autoridade. “Homens não escolhidos pela riqueza ou por sua situação, mas de nascimento humilde, pertencentes ao povo e bondosos em sua conduta, pela consciência de sua própria fraqueza".
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E, assim, se tornou tirano; mas a história não se refere a nenhuma vantagem que os pobres e os humildes hajam tido com isso. Confiscou, é verdade, as propriedades dos ricos, mas foi aos seus guardas pessoais que ele as deu. Sua popularidade logo se dissipou, mas não o seu poder. Poucas páginas adiante nos deparamos com Grote a dizer: "Sentindo mais do que nunca que o seu domínio repugnava aos siracusanos, e que se baseava apenas na força nua e crua, cercou-se de precauções provàvelmente mais fortes que as acumuladas por qualquer outro déspota grego".
E, assim, se tornou tirano; mas a história não se refere a nenhuma vantagem que os pobres e os humildes hajam tido com isso. Confiscou, é verdade, as propriedades dos ricos, mas foi aos seus guardas pessoais que ele as deu. Sua popularidade logo se dissipou, mas não o seu poder. Poucas páginas adiante nos deparamos com Grote a dizer: "Sentindo mais do que nunca que o seu domínio repugnava aos siracusanos, e que se baseava apenas na força nua e crua, cercou-se de precauções provàvelmente mais fortes que as acumuladas por qualquer outro déspota grego".
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A história grega é peculiar quanto ao fato de que, exceto em Esparta, a influência da tradição era extraordinàriamente fraca na Grécia. Ademais, quase não havia moralidade política. Heródoto afirma que nenhum espartano sabia resistir a um suborno. Em toda a Grécia, era inútil fazer-se objeção a um político sob alegação de que ele recebia subornos do rei da Pérsia, pois seus adversários também o faziam, quando se tornavam suficientemente poderosos para que valesse a pena comprá-los.
A história grega é peculiar quanto ao fato de que, exceto em Esparta, a influência da tradição era extraordinàriamente fraca na Grécia. Ademais, quase não havia moralidade política. Heródoto afirma que nenhum espartano sabia resistir a um suborno. Em toda a Grécia, era inútil fazer-se objeção a um político sob alegação de que ele recebia subornos do rei da Pérsia, pois seus adversários também o faziam, quando se tornavam suficientemente poderosos para que valesse a pena comprá-los.
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O resultado disso era uma luta desordenada pelo poder pessoal, conduzida pela corrupção, arruaças e assassínios. Neste assunto, os amigos de Sócrates e Platão estavam entre os mais inescrupulosos. O resultado - como se poderia prever - foi a subjugação por potências estrangeiras. Era costume lamentar-se a perda da independência grega, pensando-se nos gregos como se fossem todos semelhantes a Sólon e Sócrates. Quão pouca razão havia para se deplorar a vitória de Roma é coisa que se pode ver pela história da Sicília helênica. Não conheço melhor exemplo do poder nu do que a carreira de Agátocles, contemporâneo de Alexandre o Grande, que viveu de 361 a 289 a.C. e foi tirano de Siracusa durante os últimos vinte anos de sua vida.
O resultado disso era uma luta desordenada pelo poder pessoal, conduzida pela corrupção, arruaças e assassínios. Neste assunto, os amigos de Sócrates e Platão estavam entre os mais inescrupulosos. O resultado - como se poderia prever - foi a subjugação por potências estrangeiras. Era costume lamentar-se a perda da independência grega, pensando-se nos gregos como se fossem todos semelhantes a Sólon e Sócrates. Quão pouca razão havia para se deplorar a vitória de Roma é coisa que se pode ver pela história da Sicília helênica. Não conheço melhor exemplo do poder nu do que a carreira de Agátocles, contemporâneo de Alexandre o Grande, que viveu de 361 a 289 a.C. e foi tirano de Siracusa durante os últimos vinte anos de sua vida.
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(*) Filósofo, matemático, político e ativista.
(*) Filósofo, matemático, político e ativista.
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(continua...)
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