quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O trabalho teórico e a luta revolucionária
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João Aguiar (*)
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A teoria revolucionária é a consequência do estudo da realidade política e social nada tendo a ver com a repetição empolgada de chavões ou a aplicação mecânica de princípios gerais a uma situação em específico, sem olhar a novas configurações do capitalismo, do Estado e da correlação de forças, por isso, não se confunde com o verbalismo vazio dos esquerdistas, nem com a chamada renovação que caracteriza o reformismo. “a teoria revolucionária não abdica nem dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo (…), nem da necessidade de compreender novos fenómenos; a teoria revolucionária aplica criativamente os conceitos nucleares do marxismo ao contexto em que os revolucionários actuam numa determinada época e sociedade”.
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Na ciência burguesa é relativamente difundida a ideia que a célebre XI Tese sobre Feuerbach – "todos os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo, trata-se agora de transformá-lo" – seria uma afirmação em que Marx acharia desnecessária toda e qualquer teorização do real. Na realidade, tais noções não fazem sentido. Basta lembrar toda a imensa obra teórica de Marx - o atual projeto de publicação das obras completas de Marx e Engels em alemão será de 120 volumes, portanto, cerca de 72.000 páginas! - para se perceber o colosso intelectual do grande revolucionário alemão. O marxismo nunca desqualificou o labor teórico. Mais uma vez, lembrem-se duas clarividentes lições de Lenine: "não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária" e a importância para os Partidos Comunistas da "análise concreta da situação concreta". Por conseguinte, há em toda a história do marxismo-leninismo uma ligação indissolúvel entre trabalho teórico e prática revolucionária. Qual a relação entre teoria revolucionária e luta prática? Para responder a esta questão, importa considerar dois elementos principais:
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1. A teoria revolucionária não existe fora da luta revolucionária
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Quer dizer, Marx não nasceu comunista e até atingir os seus 25-26 anos de idade nunca se considerou socialista ou comunista, apesar de já ter entrado em contacto com as correntes anti-capitalistas da época. Para além da ruptura com o hegelianismo e da leitura do artigo "Esboço para uma crítica da economia política", de Engels, publicado nos Anais Franco-Alemães em 1844, foi o contacto de Marx com emigrantes e refugiados políticos socialistas de origem alemã em Paris e, sobretudo, com o desenvolvimento da luta operária – por exemplo, os tecelões da Silésia em luta no ano de 1843 – que iriam estar na génese do marxismo como teoria revolucionária.
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Um outro exemplo. A obra de teoria (científica e política) mais brilhante de Lenine é, não por acaso, "O Estado e a Revolução". Obra escrita em Julho e Agosto de 1917 em pleno fogo da luta revolucionária em ebulição. A percepção do poder de classe do Estado e a percepção das tarefas que cabiam (e cabem) ao proletariado num contexto de transição para o socialismo seriam aspectos de todo inacessíveis fora da luta revolucionária.
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2. A teoria revolucionária permite perspectivar as condições
gerais e específicas em que decorre a luta revolucionária
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Não se pense que o marxismo é um mero pragmatismo. De facto, a luta e a prática nas organizações marxistas necessitam sempre de um programa, de resoluções políticas, de debate político e ideológico. É quase como que "o pão para a boca" das organizações políticas e sociais da classe trabalhadora. Para recorrer a um outro exemplo, repare-se que, ao contrário do preconceito dos media dominantes de que o PCP seria um partido enquistado, sectário, sem debate político e condenado a desaparecer, a verdade é que o PCP não teria a força eleitoral e, fundamentalmente, social e sindical se não debatesse e aplicasse enunciados políticos e ideológicos que se ajustam à realidade concreta das massas populares.
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Por um lado, a teoria revolucionária enquadra a luta em termos das condições gerais em que ocorre. Isto é, a teoria revolucionária permite compatibilizar a luta quotidiana com o processo histórico global, portanto, entre luta reivindicativa de massas e a luta geral contra o capital. Por outro lado, a teoria revolucionária permite compatibilizar a luta quotidiana na conjuntura nacional, social e temporal em que se desenrola num determinado momento.
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Assim, considere-se a relação entre teoria e luta revolucionária a partir das seguintes noções: • a teoria revolucionária faz parte da luta de ideias, da batalha política e ideológica contra a ideologia dominante; • a teoria revolucionária não é o repetir de chavões ou o aplicar mecânico de princípios gerais a uma situação em específico, sem olhar a novas configurações do capitalismo, do Estado e da correlação de forças – a teoria revolucionária não se confunde com o verbalismo oco do esquerdismo; • a teoria revolucionária não é igual à revisão de princípios do marxismo em favor da busca de pretensas soluções novas para uma realidade social capitalista que, apesar de novos ajustamentos, continua a reproduzir os seus pilares fundamentais (exploração da força de trabalho; mercantilização de todas as actividades sociais, culturais e naturais; Estado de classe controlado pela burguesia; força e peso da ideologia dominante, etc.) – a teoria revolucionária não se confunde com a busca da “renovação" pela “renovação” típica do reformismo; • a teoria revolucionária não abdica nem dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo (primado da luta de classes, papel de vanguarda da organização revolucionária, natureza de classe das várias instituições da sociedade, etc.), nem da necessidade de compreender novos fenómenos; • a teoria revolucionária aplica criativamente os conceitos nucleares do marxismo ao contexto em que os revolucionários actuam numa determinada época e sociedade.
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Com efeito, a própria teoria revolucionária será tanto mais eficaz quanto mais se avançar na discussão colectiva dos problemas em causa. Discussão colectiva que tem de estar sempre inserida no quadro de fortalecimento da luta de massas e das organizações da classe trabalhadora. Só a luta dos trabalhadores e dos povos e das suas organizações de classe poderá transformar o mundo. Animada por esse objectivo, a teoria poderá interpretar mais correctamente o mundo social e político, por conseguinte, melhorando as probabilidades de sucesso da luta popular pela transformação da sociedade. E porque o marxismo consagra essa unidade entre pensamento e ação, só a luta (teórico-ideológica e de massas) é o caminho!
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(*) João Aguiar, sociólogo.

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