terça-feira, 14 de abril de 2009

Gênero e Socialismo: uma discussão necessária?
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Veronica Ismael de Oliveira (*)
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Segundo o censo demográfico realizado pelo IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2000, o Brasil tem 169.799.170 milhões de habitantes, sendo 49% homens, ou 83.576.015, e 51% mulheres, ou 86.223.155. Em comparação com o início da década de 1950, quando o país tinha cerca de 52 milhões de habitantes, percebeu-se que houve um intenso processo de urbanização, pois a população urbana, que era de 36%, saltou para 84%. As mulheres conseguiram neste espaço temporal algumas conquistas importantes, como o aumento do nível de escolaridade , a sua inserção no mercado de trabalho e na política.
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Esta maioria numérica das mulheres em população absoluta e suas conquistas citadas acima ainda não se revertem em melhoria nos seus postos de trabalho e na sua remuneração. Por exemplo, apesar de a mulher ter tanto ou mais formação que o homem, sua renda per capita até o final dos anos 90 ainda era muito inferior, como podemos ver na tabela abaixo:
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Tabela 1: PIB per capita (em dólares) – Brasil – 1991/2000.
ANO - PIB per capita total - PIB per capita Feminino - PIB per capita Masculino
1991 – 2.574 – 1.362 – 3.806
2000 – 2.916 – 1.731 – 4.133
Fonte: Censos demográficos 1991 e 2000, e IPEA Data.
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Percebe-se nesta tabela que a discriminação contra a mulher é latente e explícita em nossa sociedade. Para uma análise mais precisa, pode-se também utilizar a seguinte tabela sobre a remuneração básica de homens e mulheres com a mesma escolaridade:
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Tabela 2: Brasil: rendimento médio (em R$) da população ocupada por sexo e anos de estudos, 2001.
Anos de estudos - Mulheres - Homens - Mulheres/Homens
Até 3 anos – 178,00 – 290,00 – 61%
4-7 anos – 245,00 – 445,00 – 55%
8-10 anos – 323,00 – 574,00 – 56%
11 e acima – 786,00 – 1377,00 – 57%
Fonte: IBGE-PNAD 2001, Tabulações especiais de Cristiane Soares.
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Se analisarmos a participação da Mulher no campo político, veremos que aí ela também conquistou direitos importantes, como o de votar em 1945, e quebrou barreiras históricas, como o de ser eleita em cargos públicos nas décadas posteriores. Entretanto, sua inserção na política ainda é minoria, apesar de ser maioria no eleitorado , como demonstra o jornalista Júlio Mosquéra em seu livro “E eu com isso?”:
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“Dos 81 senadores presentes n o Congresso Nacional em 2006, apenas 10 eram mulheres. Em 2002, as mulheres concorreram ao governo em doze Estados. Rosinha Matheus pelo PMDB, no Rio de Janeiro, e Vilma de Faria, pelo PSB, no Rio Grande do Norte, se elegeram. Seis mulheres integraram a chapa vencedora para governos estaduais como vice-governadoras. Antes de 2002, apenas uma mulher havia sido eleita para governar um Estado brasileiro. Roseana Sarney ganhou a eleição para governadora do Maranhão em 1994 e foi reeleita em 1998.” (Mosquéra, 2006; p.121)
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No poder judiciário o quadro é idêntico. Ocorreu um significativo aumento do ingresso de mulheres no judiciário, porém, os homens continuam com uma esmagadora maioria. Veja a tabela abaixo:
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Tabela 3: Membros dos Tribunais Superiores de Justiça - Nov. de 2003
Instância - Número de membros - Membros mulheres
Supremo Tribunal Federal – 11 – 01
Superior Tribunal de Justiça – 33 – 03
Tribunal Superior do Trabalho – 17 – 01
Tribunal Superior Eleitoral – 07 – 01
Fonte: Tribunais superiores.
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Nos mais diversos espaços veremos que as mulheres têm conseguido avanços importantes, porém, ainda há um longo caminho a percorrer. E quem deverá encampar esta luta? Apenas as mulheres? Ou todos aqueles e aquelas que levantam a bandeira por um mundo melhor, mais justo e igualitário, um mundo socialista? Será que todo socialista, seja ele homem ou mulher, tem fundamento teórico e prático para discutir sobre e praticar a igualdade de gênero? Pegando o mote da primeira aula do Módulo IV do curso de Formação Política promovido pela Fundação João Mangabeira, “Os Socialistas e os Direitos Humanos, Sociais e do Trabalho”, e também o tema do módulo inteiro, “A atuação política dos socialistas”, pretendo discutir aqui a lacuna existente nas práticas socialistas dos nossos companheiros e companheiras militantes, a falta de discussão de gênero.
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Por que o socialista deve ter na sua pauta de discussões a igualdade de gênero?
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Um militante socialista, na sua grande maioria, sabe discutir temas como: dívida externa, análise de conjuntura nacional e internacional, problemas sociais, até mesmo cotas, que é uma polêmica relativamente nova. Porém, quando o assunto é Gênero, percebe-se uma barreira em muitos socialistas, homens e mulheres, o que reflete na falta do assunto como pauta de cursos de formação política. O resultado disto é a formação de socialistas incompletos.
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Entendo que a discussão de Gênero não engloba apenas a diferença entre os sexos, mas, que possui diversos outros fatores relevantes como: classe, raça, etnia, orientação sexual, geração de emprego e renda, etc. Estas especificidades devem ser percebidas principalmente pelo socialista.
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A violência é hoje um dos principais problemas enfrentados pelo povo brasileiro. Destrinchando este problema, veremos que a violência contra a mulher é uma questão extremamente preocupante. Hoje no Brasil, a cada 5 segundos uma mulher sofre violência doméstica, sexual e ou psicológica. Este quadro é um fenômeno mundial, atingindo as mulheres em todas as classes sociais, revelando a permanência da cultura patriarcal centrada na idéia de sujeição das mulheres e o exercício do poder masculino, se necessário for, até pela força.
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Não se pode dizer que esta é uma discussão recente, ou apenas promovida por mulheres. Stuart Mill, já na segunda metade do século XIX, discute com maestria e pioneirismo a questão da sujeição das mulheres:
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“Todas as mulheres são criadas, desde muito cedo, na crença de que seu caráter ideal é o oposto do caráter masculino: sem vontade própria e governadas pelo autocontrole, com submissão e permitindo serem controladas por outros. Todas as moralidades e sentimentos afirmam que a obrigação da mulher é viver para os outros; abnegar-se completamente e viver somente pra aqueles a quem está afeiçoada.Aqueles a quem elas estão afeiçoadas são as únicas pessoas que elas têm – os homens com quem estão casadas ou as crianças que constituem um laço adicional e invencível entre elas e um homem.” (Sturt Mill, 2006; p. 32)
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Hoje as mulheres brasileiras são duplamente vítima de situações de violência. Como cidadãs se defrontam com as diversas formas de violência que atingem a sociedade (roubo, estupro, assassinato, etc); e como mulheres se defrontam com a violência de gênero.
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Casos como o que irei relatar a seguir não são difíceis de acontecer no país: um companheiro filiado a um partido socialista, membro da direção executiva municipal, violentou sua esposa por um ano e está impune até a presente data. Esse é o grande motivo pelo qual um socialista deve ter na sua pauta de discussão a questão de Gênero. Aquele ou aquela que luta pela uma sociedade igualitária que omitir-se diante de fatos como esse não é de fato um socialista.
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“Camila, Camila”, a música interpretada por várias bandas brasileiras, entre elas, “Nenhum de Nós” e “Biquine Cavadão”, é um retrato perfeito da situação de milhares e milhares de mulheres brasileiras que perecem nas mãos daqueles que deveriam ser seus companheiros, mas na verdade, são seus algozes.
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Conclusão
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Democratizar as relações de gênero deve ser uma prática constante na vida de um socialista completo, pois estas relações são uma construção dos seres humanos, aquilo que se passa entre quatro paredes, seja entre um homem e uma mulher, seja em uma família, não é assunto particular apenas daquela família, é também uma questão política que engloba vários fatores como a sexualidade, a violência, a maneira de educar os filhos e as filhas e muito mais.
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Se quisermos realmente construir juntos uma sociedade socialista, é primordial que a discussão de gênero esteja presente nas mentes de todos e todas nós, assim como deve estar presente a discussão de etnia, de sexualidade, entre outras, a discussão das minorias em geral. O socialismo, assim como o marxismo, não pode jamais ignorar as diferenças.
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Referência Bibliográfica
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Anais do XIII Encontro Nacional Feminista: o feminismo nos 500 anos de dominação. João Pessoa: Textoarte Editora e Comunicação, 2003.
MOSQUÉRA, Júlio. E eu com isso? São Paulo: Globo, 2006.
STUART MILL, John. A sujeição das Mulheres. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 39. São Paulo: Escala, republicação 2006.
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Sítios pesquisados
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(*) Secretária de Planejamento e Finanças da JSB-JP
e graduanda em Arquivologia pela UEPB.
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