terça-feira, 6 de julho de 2010

Petrobrás: a ideologia e o debate real
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Maior empresa brasileira e uma das grandes petroleiras do mundo, a Petrobrás lançou oficialmente seu plano de investimentos para os próximos quatro anos. Os números são grandiosos e — muito mais importante — as decisões por trás deles afetarão por muitas décadas, para o bem ou o para o mal, a sociedade brasileira.
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Os investimentos, até 2014, somarão 224 bilhões de dólares — quase 10% do PIB do Brasil — o que tem imensa repercussão econômica e social. Um pequeno exemplo: a decisão adotada pela estatal em 2003, de priorizar fornecedores nacionais, nas compras de plataformas e navios, ressuscitou dois ramos então moribundos da indústria brasileira. Agora, com a empresa fortalecida pela descoberta das reservas de petróleo no pré-sal, este poder está muito ampliado.
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As consequências mais importante dos planos da Petrobras dizem respeito exatamente à extração de óleo. Segundo Sérgio Gabrielli, presidente da companhia, ela ampliará sua produção em 9,4% ao ano, até 2014. Naquele ano, o Brasil passará a extrair 3,9 milhões de barris por dia — podendo tornar-se o quinto ou sexto produtor mundial e um exportador importante. O aumento, nessa primeira fase, não virá dos campos do pré-sal, o que sinaliza uma aposta no potencial das províncias brasileiras já em operação. Em 2020, a produção passará a 5,4 milhões de barris ao dia.
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Apesar da importância destes dados, os jornais abordam os projetos anunciados de forma rasteira e ideologizada. O sentido geral das coberturas é repercutir as opiniões de “analistas do mercado”. Para eles, os investimentos são “exagerados” (manchete de O Estado de S.Paulo); podem “secar as fontes de recursos para as empresas privadas (Folha)“; e revelam um movimento semi-disfarçado para ampliar a presença estatal na economia. É como se a Petrobrás estivesse investindo centenas de bilhões de dólares para… fazer política em favor do estatismo. Estranhamente, seus planos supérfluos e dispendiosos despertam interesse de grandes investidores (capitalistas, é claro…) de todo o mundo.
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Se ficar restrita ao ramerrão da mídia, a sociedade perderá a oportunidade de fazer duas discussões indispensáveis — até agora não abertas, a sério, pelo governo. Qual deve ser o projeto brasileiro para a exploração das reservas de petróleo? E qual o ritmo mais adequado para colocá-las em produção? No primeiro tópico, pode-se discutir como empregar os recursos advindos da exportação de óleo para corrigir dívidas históricas da sociedade para si mesma. Como reduzir a desigualdade? Quais os mecanismos para financiar, com o dinheiro de uma energia suja, a pesquisa e produção de eletricidade a partir de fontes como a solar e eólica? Como livrar as metrópoles da dependência em relação ao automóvel?
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O segundo item envolve uma discussão mais técnica. Foi abordada didaticamente num artigo de André Ghirardi, especialista em petróleo, disponível na Biblioteca Diplô. Em seu texto, ele lembra que as grandes companhias petroleiras estudam, desde os anos 1930, as melhores estratégias para administrar a produção, deslocando-a sempre que possível para períodos em que os preços do óleo sejam mais altos. Este esforço teria se intensificado nos últimos anos, quando ficou claro que a produção mundial começará brevemente a declinar. Os países ricos, por exemplo, explica Ghirardi, têm adiado a exploração de grandes reservas no Oceano Ártico e Golfo do México - cujo enorme potencial apenas começa a ser retirado.
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Qual a posição do Brasil, diante de debates como esses? Em torno da riqueza do pré-sal, é possível iniciar um grande debate nacional. Ele abriria espaço, inclusive, para a busca de soluções inovadoras em terrenos como educação, ambiente, universalização dos serviços públicos, formas alternativas de distribuição de riqueza, desenvolvimento da ciência e tecnologia. Mas para chegar a tanto, será preciso criar espaços de debate público que superem o discurso rastaquera da mídia.

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